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(Em)PPCerrado

Postado por Beatriz Bulhões e comentado por Nurit Bensusan

Este ano, temos presenciado incêndios florestais de enormes proporções em áreas de Cerrado, como por exemplo, no Parque Nacional das Emas (GO), no Parque Nacional da Serra da Canastra (MG) e em Brasília, na Estação Ecológica de Águas Emendadas e no Parque Nacional de Brasília, ambas as unidades são áreas-núcleos da Reserva da Biosfera do Cerrado.

Nesta atmosfera, cheia de fumaça, foi lançado, no último dia 15 de setembro, o PPCerrado, Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento e das Queimadas no Cerrado, que propõe a conciliação de ações de conservação com de desenvolvimento. O Plano começou a ser delineado pelo Ministério do Meio Ambiente e em 2009 foi colocado em consulta pública. Só que a Casa Civil decidiu ampliar o escopo do Plano envolvendo outros ministérios e considerar as metas voluntárias estabelecidas na Lei 12.187∕2009 que instituiu a Política Nacional sobre Mudança do Clima. A meta para o Cerrado é reduzir em 40% as emissões de gases de efeito estufa provenientes do desmatamento no bioma até 2020.

Os objetivos e as ações do Plano são agrupados em 4 eixos temáticos: Fomento às Atividades Produtivas Sustentáveis, Monitoramento e Controle, Áreas Protegidas e Ordenamento Territorial e Educação Ambiental. O investimento total previsto para 2010 e 2011 é da ordem de 340 milhões de reais, sendo a previsão de gasto ainda nesse ano é de R$ 151.723.070,27.

Se o governo tem este dinheiro para investir por que não investiu até agora em ações de prevenção e combate a incêndios florestais? Por que deixar queimar o pouco que resta de Cerrado?  Porque não se importa… porque acha que bacana é dizer por aí que aumenta sua produção agrícola sem derrubar árvores… da Amazônia, pois do Cerrado, simplesmente não vale, não conta… Para quem ainda não viu, instrutiva sobre esse aspecto é a matéria do “The Economist” sobre a agricultura brasileira: http://www.economist.com/node/16886442

Apesar de que os dados do INPE têm mostrado que o ano de 2010 está sendo bem mais seco que 2009, o que aumenta o risco de fogo, as medidas de prevenção e combate a incêndios florestais não têm sido suficientes. O que temos visto é a falta de equipamentos adequados, de recursos humanos capacitados, de investimentos que garantam uma gestão competente e eficiente das unidades de conservação. Se analisarmos os 28.608 focos de queima que aconteceram no Brasil apenas no mês de agosto, vimos que 14.629 focos ocorreram somente no Cerrado, ou seja, 55% do total. Os dados do INPE mostram também que os focos de queima em áreas protegidas aumentaram 275% em relação ao mesmo período do ano anterior.

E sempre vale a pergunta: se não conseguimos evitar incêndios em áreas protegidas localizadas a menos de 30 km do Palácio do Planalto, como em Águas Emendadas e no Parque Nacional de Brasília, como esperar que os focos mais longínquos de incêndios sejam controlados ou evitados?

A apresentação do Plano pelo governo federal despertou reações em mim um tanto contraditórias. No primeiro momento a sensação foi de alívio, enfim algo mais estruturado para o Cerrado, nosso tão negligenciado bioma, mas no momento seguinte venho a dúvida se as metas definidas são suficientes e se o governo tem real capacidade de cumpri-las.

Eu nem fiquei com essas dúvidas… há muito deixei de acreditar em papai noel…

Além do combate às queimadas descontroladas, o Plano definiu diversas ações para atingir a meta de redução de desmatamento nos setores que mais impactam o Cerrado. Na agricultura, por exemplo, planeja-se o desenvolvimento de práticas e sistemas sustentáveis de produção tais como a recuperação de pastagens degradadas, adoção do sistema de integração lavoura-pecuária-floresta, incrementar o sistema de plantio direto e do uso de fixação biológica de nitrogênio e aumentar áreas de florestas plantadas.

Em relação às unidades de conservação, a expectativa é que se invista em estudos sobre a biodiversidade em áreas prioritárias para conservação, se crie mais 18 unidades de conservação de proteção integral e 10 novas reservas extrativistas, que somam mais 2,5 milhões de hectares e um investimento de R$ 2.583.800,00 até 2020.

Apesar de ser nosso segundo maior bioma, ser a savana mais rica em biodiversidade do mundo, ter quase 48% de sua cobertura vegetal perdida, de ser um dos bioma brasileiro mais ameaçados, o Cerrado não é considerado pela nossa Constituição como patrimônio nacional.

A nossa Constituição só considera patrimônio nacional a Floresta Amazônica, a Mata Atlântica, o Pantanal Matogrossense, a Serra do Mar e a zona costeira. Há anos que se tenta corrigir esta falha. Não é falha não… é uma exemplo clássico de ato falho… Desde 1992, tramitam no Congresso Nacional propostas de emendas constitucionais inserindo o Cerrado (e algumas a Caatinga) na lista de biomas considerados patrimônio nacional. Em julho deste ano, foi aprovada no Senado Federal a PEC 51/2003 de autoria do Senador Demóstenes Torres e encaminhada para revisão da Câmara dos Deputados, onde recebeu o número PEC 504/2010. No momento ,está na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJC) da Câmara dos Deputados que aguarda o retorno dos parlamentares para continuar sua tramitação.  Mas aí vem a pergunta que não quer calar. Ser considerado patrimônio nacional muda alguma coisa? Dizem que sim, que além de valorizar o bioma dá respaldo para a normatização de seu uso. Será? Tanto o Pantanal como a Mata Atlântica vêm sofrendo enormes pressões de políticas de desenvolvimento para a região, e olha que ambos são patrimônios nacionais desde 1988. O que faz a diferença mesmo é investimento pesado em educação e conscientização, é a vontade política e a vigilância da sociedade.

Mas quem teria a coragem de mexer com os interesses do agronegócio no Brasil?

Depois das eleições, os parlamentares voltam ao Congresso e aí é momento de a sociedade se mobilizar para que a PEC seja votada ainda este ano. O Executivo deu um primeiro passo, agora é a vez do Legislativo. Depois será a vez a nossa vez de acompanhar e cobrar o cumprimento das metas assumidas no PPCerrado.

Depois, já em dezembro, é só fazer uma listinha de presentes para o bom velhinho…

Colocar no papel é fácil, o difícil é fazer o que está por lá. O que não dá é empperrar!