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A pedagogia do petróleo

Postado por Nurit Bensusan

São as desastrosas proporções do vazamento de petróleo no Golfo do México, de um poço da British Petroleum (BP), o que chama mais atenção nesse episódio. Aproximadamente cinco milhões de barris já vazaram do poço desde a explosão da plataforma, no dia 20 de abril de 2010. É, definitivamente, o maior acidente dessa natureza.

Mas vale a pena, também, examinar as revelações derivadas desse vazamento, para além das consequências ambientais. Tais revelações, apesar de nada surpreendentes, são muito pedagógicas.

Uma delas se relaciona com a tecnologia de extração de petróleo em águas profundas. De fato, a tecnologia avançou e hoje é possível extrair petróleo de locais onde, até pouco tempo atrás, se julgava impossível. Mas, claro, a tecnologia de prevenção e de mitigação de acidentes avançou pouco. Ou seja, aquele princípio que deveria nortear as atividades potencialmente impactantes para o ambiente, o princípio da precaução, foi, como sempre, atropelado pelos interesses econômicos.

Outra revelação interessante é como as corporações assediam e são bem sucedidas nesse processo, pesquisadores e cientistas das universidades. Como cada vez mais, muito dos recursos para pesquisa das universidades vem da iniciativa privada, fazendo com que pesquisadores sejam compelidos a aceitar condições e prioridades distantes das desejáveis.

No caso da BP, o assédio tem sido constante e tem várias implicações. Nessas últimas semanas, a BP vem oferecendo a cientistas norte-americanos das universidades pública da costa do Golfo lucrativos acordos de pesquisa em troca de apoio em sua defesa no processo judicial ligado ao vazamento. O contrato oferecido pela companhia proíbe os cientistas de publicar suas pesquisas, compartilhá-las com outros cientistas ou falar sobre os dados coletados nos próximos três anos, pelo menos. Pesquisadores que trabalham com planctôn, invertebrados marinhos, manguezais, tubarões e oceanografia dos estados de Louisiana, Mississipi e Texas já aceitaram firmar esses contratos.

Não é apenas que dados não estarão disponíveis para conhecer e aquilatar o impacto desse desastre, mas também que pesquisadores respeitados se calarão diante das acusações a BP, pois assim reza o contrato já assinado por muitos. O pior é que a BP não está fazendo nada ilegal – talvez imoral – pois não há nenhum mecanismo que proíba uma corporação de oferecer esses contratos, nem dos pesquisadores de aceitarem.

Enfim, nada de novo, mas sempre chocante…

A Biodiversidade Marinha no Escuro

Escrito por Ana Paula Prates e Eneida Eskinazi *

Um presente indiferente e um futuro diferente: serão as criaturas marinhas no futuro habitantes apenas da cabeça e da imaginação das crianças? Ilustração de Ariê Bensusan Baylão.

O mundo assiste, terrificado, a uma das piores tragédias ambientais na história, envolvendo derrame de petróleo: o vazamento de óleo da plataforma Deepwater Horizon, controlada pela empresa multinacional British Petroleum. O vazamento que ocorre no Golfo do México já ultrapassou o 50º dia ainda sem solução. Os cálculos do volume de óleo derramado são ainda conflitantes e misteriosos; as estimativas oficiais apontam para um volume entre 12 mil a 25 mil barris diários, o que corresponde a aproximadamente uma piscina olímpica de petróleo derramada por dia no Golfo do México.

Segundo pesquisadores da Universidade da Geórgia, é uma infusão de óleo e gás jamais vista. A “coluna” de vazamento tem mais de 24 quilômetros de comprimento, 8 quilômetros de largura, 90 metros de altura em uma faixa que vai de 700 a 1,3 mil metros de profundidade.

Os gastos para conter o vazamento, divulgados pelo governo americano e pela empresa British Petroleum, ultrapassam bilhões de dólares. Os danos ambientais são incalculáveis.

No entanto, o mais impressionante é que vemos na mídia apenas os comentários sobre os riscos e danos ambientais que devem ocorrer com a chegada da enorme mancha na costa dos Estados Unidos, como se no mar, não estivesse acontecendo nada…Ainda dói mais ler, ou ouvir, notícias superficiais que dizem: “cientistas afirmam que o índice de animais mortos continua relativamente modesto, bem abaixo das dezenas de milhares de pássaros e outras criaturas mortas após um vazamento da Exxon no Alasca. Os números permanecem comparativamente baixos porque a plataforma da BP estava a cerca de 80 quilômetros da costa e a maior parte do óleo ficou no mar aberto. No caso da Exxon, o vazamento ocorreu bem perto da terra.”…É parece mesmo que o “mar aberto” não tem nenhuma importância.

O dano pode ser ainda maior abaixo da superfície. Milhões de espécies marinhas do plâncton, componente microscópico basal da cadeia alimentar, estão sendo mortos pela mancha negra presente na superfície da água. Além do plâncton, uma infinidade de organismos marinhos, de invertebrados a vertebrados, são fatalmente afetados pela mancha de óleo. Como estarão os peixes e recifes de coral presentes no Golfo do México? A perda de biodiversidade de invertebrados, um dos mais importantes e abundantes grupos de organismos marinhos, tem sido pouco discutida, diante das impressionantes e sensibilizantes imagens de peixes, aves e tartarugas enlameados nas águas do Golfo do México. Entretanto, a base da cadeia alimentar marinha é sustentada por essas diminutas criaturas, que infelizmente, não aparecem enegrecidos e agonizantes nos noticiários mundiais.

A ironia é maior quando se constata que na região do Golfo do México já existam muitas áreas consideradas “zonas mortas” devido à poluição. Seria esse o tiro de misericórdia em uma área ainda maravilhosa do oceano?

A mancha de petróleo se desintegra em muitos pedaços, e isso faz o óleo se espalhar por uma área maior, o que prejudica significativamente os esforços de contenção da mancha e uma avaliação precisa dos impactos deste material sobre o ecossistema marinho.

Tentativas desastrosas até agora não conseguem conter o vazamento. E como limpar essa sujeira? A tecnologia existente ainda é a de apenas se jogar dispersante na água, que como o próprio nome diz, apenas “dispersa” a mancha contribuindo ainda mais para agravar o quadro desse prejuízo. Mas por outro lado, eficaz para a sociedade que simplesmente não enxergaria mais a mancha.

Embora a fração superficial deste óleo já seja por si só suficientemente incômoda aos olhos de uma sociedade mais sensível às questões ambientais, a fração oculta desta mancha pode ser ainda mais devastadora na nossa reflexão sobre este desastre ambiental. Grandes porções do óleo se separam da mancha superficial e se mantêm circulando no fundo do mar. Segundo pesquisadores da Universidade do Sul da Flórida, amostras de água coletadas na região indicaram a presença de extensas faixas de petróleo em profundidades inimagináveis entre 50 e 1400 metros. Esse petróleo oculto nas profundezas oceânicas não é captado pelos satélites, subestimando consideravelmente a amplitude do impacto da mancha de óleo no Golfo do México.

O impacto desse óleo profundo sobre a biota marinha pode ser ainda mais devastador que a mancha superficial, pois a sua retirada é praticamente impossível e o seu longo tempo de permanência em águas profundas pode propagar esses efeitos por muito tempo. Isso sem considerar o afundamento de extensas porções de óleo no sedimento marinho, aniquilando a fauna marinha enterrada neste compartimento oculto dos oceanos.

Ainda que sob impacto de imagens e informações tão devastadoras, as empresas petrolíferas e o governo americano insistem nos ganhos econômicos oriundos da extração de petróleo. Talvez seja hora de incorporamos neste algoritmo econômico, os dividendos dos bens e serviços ecossistêmicos afetados pela mancha negra do Golfo do México. A perda da fotossíntese, da decomposição orgânica, da fertilização dos oceanos e estuários, da pesca, da paisagem alterada, da biodiversidade aniquilada, das conexões tróficas alteradas, da produção primária, dos bioativos perdidos, dos ciclos interrompidos. Quem vai pagar essa conta?

Estava mandando este texto para postar no blog quando vejo na BBC o Presidente Obama falando para a Nação Americana sobre o desastre e se comprometendo, vejam só, com a redução do consumo de energia não renovável, pelo seu país….será que eles finalmente acordaram? Será que precisamos de catástrofes assim para que os países comecem a pensar em um desenvolvimento menos perverso?

*Eneida Eskinazi é uma bióloga marinha que aprendeu a amar a água doce,as cachoeiras e montanhas das Gerais.